domingo, 5 de agosto de 2018

Para compreender o Brasil


Sobre a revelação:

Três trechos de dois livros distintos me foram decisivos para a compreensão de nossa sociedade e para a construção do que se tornaria a minha ideia de Brasil. 

Joaquim Nabuco (1849-1910), que acompanhou o processo de "abolição" gradual da escravatura, desde a Lei Eusébio de Queirós (1850), passando pela Lei do Ventre Livre (1871) até a Lei Áurea (1888), já antevia o corrompimento que se instauraria na sociedade brasileira em decorrência do processo de subjugação de uma raça por outra. 

De igual modo, Darcy Ribeiro tratou do tema em um dos livros mais importantes sobre a formação da sociedade brasileira. Já na época em que este livro foi publicado (1995), ele explicava as origens de nossa constituição como povo e denunciava a crise institucional que já assolava o Brasil.

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"A escravidão é como um desses venenos que se infiltram pelo perfume: ela se infiltra pelo egoísmo. Depois de se haver introduzido na sociedade e de ter alimentado uma raça à custa da outra, ela corrompe ambas. 
Duas palavras únicas temos a dizer a respeito: que vícios não deve ter uma alma que obedece, que está sempre curva e humilhada, que rasteja diante de um homem? que às vezes é a encarnação de todos os crimes? 
Que vícios, por outro lado não deve ter aquela que está acostumada a mandar e não ser mandada, a castigar homens como animais, a contemplar a máxima degradação da nossa natureza, a satisfazer brutalmente a todos os seus caprichos? (...) o que é mais degradante - a baixeza deste ou a altivez daquele? 
(...) 
O que afronta mais a justiça o obedecer ou um mandar no outro? (...) açoitar ou ser açoitado? O que é mais criminoso, anuir a que suas filhas formem o serralho do senhor, ou deflorar pobres mulheres, que não têm guarda, nem proteção? (...) O que é mais cínico, viver na promiscuidade ou organizar a promiscuidade no interesse da reprodução?"

Em "A escravidão", Joaquim Nabuco.

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"Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida através de séculos sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós, brasileiros, somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal que também somos. Descendentes de escravos e senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria.

A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária." 

"Ultimamente a coisa se tornou mais complexa porque as instituições tradicionais estão perdendo todo o seu poder de controle e de doutrina. A escola não ensina, a igreja não catequiza, os partidos não politizam. O que opera é um monstruoso sistema de comunicação de massa, impondo padrões de consumo inatingíveis e desejos inalcançáveis, aprofundando mais a marginalidade dessas populações." 

Por Darcy Ribeiro, em "O povo brasileiro".

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