quinta-feira, 21 de maio de 2009

Coisas que são - 2 - por Hansen

Não acredito que a poesia caminhe para a irrelevância. Acredito que há poetas e poemas irrelevantes. Também que há sociedades irrelevantes, como a nossa. Hoje a poesia não é um valor. O que a boa poesia sempre fez? Produzir vazio, evidenciando a ficção que é o eu, impedindo que se delire com a linguagem das instituições, dando forma eficaz às maiores dores, fazendo a gente ficar espantado com a alternativa de outra vida etc. A grande poesia é sempre o exílio de uma recusa do que se dá como natural. Pensei, quando os norte-americanos causaram essa crise do capital, que finalmente os últimos vinte anos de tucanagem-yuppismo-politicamente-correto-multiculturalismo podiam finalmente morrer e que seria o momento de pensar por exemplo que arte queremos, pondo de lado a chateação insignificante das instalações, o repeteco dos pastiches, as coisas neo-neo-retrô escritas “à moda de”. No caso da poesia, sempre acreditei com Nietzsche e sem nenhum romantismo que ela se faz com o sangue da experiência. Que experiências temos hoje? O imaginário minguou com a Grande Saúde que veio com a desistoricização de tudo, fazendo eterno o presente da troca mercantil. Não temos passado e os passados se acumulam como arquivos de signos citáveis. E o futuro, principalmente ele, desapareceu da nossa competência. O jornalista toma a palavra. Quando a linguagem cotidiana é degradada e degrada as mínimas relações, qual a possibilidade de existir um Dante pra por os que cometem crimes contra a linguagem no Inferno? Temos uma ou duas gerações de poetas formados pela imprensa e pela TV. Não acredito que possamos, sem injustiça, culpá-los totalmente pela má poesia, pois também são homens e mulheres vivendo o mesmo estado de coisas. Alguns tentam, e acredito que muitos com honestidade, praticar seu ofício. Evidentemente, muitos são falados pelas coisas. E muitos são afetados, parecem blasés, leram todos os livros, acham que a carne é triste porque é gorda e fuma. Querem emagrecer e fazer exercícios. A ideologia da Grande Saúde + desistoricização + narcisismo + despolitização + plenitude = a cultura como a viadagem yuppie. Ora, grandes poetas são absolutamente impessoais. Todos eles inventam coisas que negam sistematicamente o dado imediato da experiência. Todos eles sabem que vamos morrer e falam da perspectiva da morte apostando que o presente passe logo. Como diz um deles, imaginemos uma nova ordem; ainda que seja uma nova desordem, não será bela? Não tenho nada a propor pra melhorar as coisas. Acho justo que essa sociedade tenha a arte que merece. Desejo que o presente passe. O que podemos é pensar a destruição.
Retirei da entrevista obtida pelo link
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Da palestra de 18.05.2009:
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Se esse governo [tucano] representa a saúde, o que é a doença?
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Certa vez, uma aluna comentou: "Nossa, professor, mas esse Drummond é depressivo! Deveria ter tomado prozac...". Pensei: "É, se ele tivesse tomado prozac, certamente não seria cocho. Seria de direita"....
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Por João Adolfo Hansen, professor de Literatura Brasileira da FFLCH - USP

terça-feira, 12 de maio de 2009

cor de Rosa (Fragmentos - 13)

Direitinho declaro o que, durando todo tempo, sempre mais, às vezes menos, comigo se passou. Aquela mandante amizade. Eu não pensava em adiação nenhuma, de pior propósito. Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Diga o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego. Era ele estar por longe, e eu só nele pensava (...). Aquela meiguice, desigual que ele sabia esconder o mais de sempre (...). Com que entendimento eu entendia, com que olhos era que eu olhava? Eu conto. O senhor vá ouvindo. Outras artes vieram depois.
(...)
Então eu vi as cores do mundo.
(...)
Entendi aquele valor. Amizade nossa ele não queria acontecida simples, no comum, sem encalço. A amizade dele ele me dava. E amizade dada é amor. Eu vinha pensando, feito toda alegria em brados pede: pensando por prolongar. Como toda alegria, no mesmo momento, abre saudade. Até aquela - alegria sem licença, nascida esbarrada. Passarinho cai de voar, mas bate as asinhas no chão.
Por João Guimarães Rosa, em 'Grande Sertão: Veredas'

Poema de Álvaro de Campos - fragmento

Depois tudo é cansaço neste mundo subjetivado,
Tudo é esforço neste mundo onde se querem coisas,
Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas,
Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente.
Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento
Pela indiferença de toda a vila.
[...]
A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.
Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.
Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.

1928

Por Álvaro de Campos em
'Poesia de Álvaro de Campos - Fernando Pessoa'

Um índio em terras paulistanas...

...Até que uma noite, suspenso no terraço dum arranha-céu com os manos, Macunaíma concluiu:
-Os filhos da mandioca não ganham da máquina nem ela ganha deles nessa luta. Há empate.
Não concluiu mais nada porque inda não estava acostumado com discursos porém palpitava pra ele muito embrulhadamente muito! que a máquina devia de ser um deus que os homens não eram verdadeiramente donos só porque não tinham feito dela uma Iara explicável mas apenas uma realidade do mundo. De toda essa embrulhada o pensamento dele sacou bem clarinha uma luz: Os homens é que eram máquinas e as máquinas é que eram homens.
Por Mário de Andrade, em 'Macunaíma'

O NOVO HOLOCAUSTO

Depois da exploração do homem pelo homem em nome do capital, o neoliberalismo e seu braço operacional, que é a globalização, criaram, mantêm e ampliam, em nome da sacralidade do mercado, a exclusão de grande parte do gênero humano. O próximo passo será a eliminação? Caminhamos para um holocausto universal, quando a economia modernizada terá repugnância em custear a sobrevivência de 4/5 da população mundial? Depois de explorados e excluídos, bilhões de seres humanos, considerados supérfluos, devem ser exterminados?
O raciocínio é bem mais que uma hipótese. É um desdobramento lógico do horror econômico fabricado no laboratório de economistas neste final de século.
(...)
Só os melhores, os economicamente arianos, deverão sobreviver. Os não-arianos formarão o gueto - e como a manutenção de um gueto é um paradoxo econômico (para que produzir para quem não pode consumir?), a solução a médio ou a longo prazo será o extermínio em massa. Menos custo e mais benefício para os balanços de governos e empresas.
Por Carlos Heitor Cony, na apresentação do livro de Viviane Forrester,
'O Horror Econômico'