terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Coisas que são

As perdas das coisas, confesso que nunca me importaram muito, mas as perdas das pessoas sim, doeram e, em alguns casos, deixaram um buraquinho muito difícil de preencher. Mas bom, este mundo está armado assim, é um tecido de encontros e desencontros, de perdas e ganhos e o melhor dos meus dias é o que ainda não vivi. A cada perda, corresponde um encontro que ainda não tive e por sorte a realidade é generosa e não falha nisso. Na verdade, eu escrevo para celebrá-la e a celebrando, denuncio tudo o que impede que a gente reconheça nos outros e em nós mesmos as múltiplas cores do arco-íris terrestre. Somos muitíssimo mais do que nos dizem que somos.

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A amizade é uma forma do amor e, como dizia para você, acho que se exerce na base da honestidade... porque a outra amizade, a amizade do ‘amo muito você’ e ‘que lindo você é’ não é a verdadeira amizade. Os amigos, quando são amigos de verdade, dizem o que se deve dizer e isso diz respeito às pessoas e aos processos coletivos também. Então, a amizade às vezes é difícil, sobre essa base, porque atravessa períodos complicados, mas, quando a gente ama de verdade, no amor, na amizade, ama as luzes e as sombras de cada pessoa ou de cada lugar...

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Existe uma poeta norte-americana, uma mulher, que morreu faz alguns anos e se chamava Muriel Rukeyser...ela disse uma frase que sempre me pareceu esplêndida, disse: ‘tá, ta bem, isso que o mundo é feito de átomos... o mundo não é feito de átomos, o mundo é feito de histórias’.... Eu acredito que sim, o mundo deve estar feito de histórias porque são as histórias que a gente conta, que a gente escuta, recria, multiplica... São as histórias que permitem transformar o passado em presente e que também permitem transformar o distante em próximo, o que está distante em algo próximo, possível e visível.

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Estamos vivendo um período interessante, lindo, muito criativo, muito fecundo, difícil de compreender às vezes, sobretudo quando se olha de fora e de cima. As coisas que se entendem de verdade são as coisas que podemos entender com a razão e sentir com o coração, são as coisas que a gente é capaz de olhar de dentro e de baixo. Se a gente olhar de cima, com a típica arrogância (...) e se a gente, além de olhar de cima, a gente olhar de fora, não entende nada; e não entende nada por uma razão, por um motivo muito importante: a nossa região é a região que provavelmente é a mais diversa de todas. É a pátria das diversidades humanas. E isto, que para mim é uma virtude, visto de fora é um grave defeito porque se você não entra no modelo, que de cima e de fora acreditam que é democracia, então aqui não existe democracia. E a verdade que prova que aqui existe democracia é que esse seja um reino da contradição e da diversidade onde se misturam, e às vezes brigam, todas as cores, os cheiros e as dores do mundo.

Por Eduardo Galeano, no programa Sangue Latino

http://www.youtube.com/watch?v=w8rOUoc_xKc


quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Lugar Comum

"A vida vai sendo levada para longe, como um livro, que tristes querubins contemplam, resignados. (...) Ah, mas as pálidas imagens ainda resistem: saem dos seus primitivos lugares, aparecem onde não as esperávamos, desdobram-se de outras figuras que nos apresentam, acordam as primeiras experiências, as indeléveis curiosidades do nosso amanhecer no mundo. (...) A bondade está ali - detrás daquela porta que se abre em silêncio, na sala onde a mesa está sempre posta - Inutilmente o relógio marca o dia e a noite, pois a vida é sem fim. Ninguém estremece. Ninguém pensa nas horas muito a sério. Todos se sucedem, todos se lembram uns dos outros. Todos estão ali à espera dos que chegam".
Por Cecília Meireles, em Giroflê-Giroflá