quinta-feira, 27 de agosto de 2009

...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!


Por Florbela Espanca

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Não pelo valor humano, mas...

Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói.


Por Machado de Assis, no Conto 'Pai contra Mãe', obtido de:

(http://portal.mec.gov.br/machado/arquivos/html/contos/macn007.htm#paicontramae_embaixo)

Recomendo muitíssimo a leitura do conto inteiro, que causa um nó na garganta. Igualmente produz esse efeito o filme nele baseado, 'Quanto vale, ou é por quilo?', de Sérgio Bianchi. Vale a pena conferir ambos.

A obra completa do Machado encontra-se disponível no site
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Poema de Campos

Não, não é cansaço...

É uma quantidade de desilusão

Que se me entranha na espécie de pensar,

É um domingo às avessas

Do sentimento,

Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...

É eu estar existindo

E também o mundo,

Com tudo aquilo que contém,

Com tudo aquilo que nele se desdobra

E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?

É uma sensação abstracta

Da vida concreta –

Qualquer coisa como um grito

Por dar,

Qualquer coisa como uma angústia

Por sofrer,

Ou por sofrer completamente,

Ou por sofrer como...

Sim, ou por sofrer como...

Isso mesmo, como...

Como quê?...

Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(...)

Porque oiço, vejo.

Confesso: é cansaço!...

Por Álvaro de Campos - Fernando Pessoa

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

cor de Rosa (Fragmentos - 15)

O que é de paz, cresce por si...
(...)
Sério, quieto, feito ele mesmo, só igual a ele mesmo nesta vida(...). Naqueles olhos ...tinha muita velhice, querendo me contar coisas que a idéia da gente não dá para se entender - e acho que é por isso que a gente morre.
(...)
Apanhei foi o silêncio dum sentimento feito um decreto.
(...)
Será que tem um ponto certo, dele a gente não podendo mais voltar para trás? Travessia de minha vida. (...) Agora, o mundo quer ficar sem sertão.
Primeiro, fiquei sabendo que gostava de Diadorim - de amor mesmo amor, mal encoberto de amizade. Me a mim, foi de repente, que aquilo se esclareceu: falei comigo. Não tive assombro, não achei ruim, não me reprovei - na hora.
(...)
O nome de Diadorim, que eu tinha falado, permaneceu em mim. Me abracei com ele. Mel se sente é todo lambente... o pensamento dele que em mim escorreu figurava diferente, um Diadorim assim, meio singular, por fantasma, apartado completo do viver comum, desmisturado de todos, de todas as outras pessoas - como quando a chuva anda entre-onde-os-campos. Um Diadorim só pra mim. Tudo tem seus mistérios. Eu não sabia. Mas, com minha mente, eu abraçava aquele Diadorim - que não era de verdade. Não era? A ver que a gente não pode explicar essas coisas. Eu devia ter principiado a pensar nele do jeito de que decerto cobra pensa: quando mais-olha para um passarinho pegar. Mas - dentro de mim: uma serepente. Aquilo me transformava, me fazia crescer dum modo, que doía e prazia. Aquela hora, eu pudesse morrer, não me importava.

Por João Guimarães, em 'Grande Sertão: Veredas'