segunda-feira, 23 de julho de 2012

Infinito efêmero

O mundo de Dante era finito e por isso pôde traçar a geografia do inferno, do purgatório e do paraíso. Mas esse mundo limitado era eterno: os homens estavam destinados a viver pelos séculos dos séculos e, depois do Juízo Final, sem experimentar mudança alguma. A eternidade dissipa o tempo e a sucessão. Seremos para sempre o que somos. Nisso consiste a diferença radical entre o mundo medieval e o moderno. O cristão medieval vivia num espaço finito e estava destinado à eternidade dos bem-aventurados ou dos réprobos; nós vivemos num universo infinito e estamos destinados a desaparecer para sempre. Nossa condição é trágica num sentido que nem os pagãos da Antiguidade nem os cristãos da Idade Média suspeitaram.

Por Octavio Paz, em "Poesía y modernidad".

Rebeldia

O mundo eu não o amei, nem ele a mim;
Não bajulei seu ar vicioso, nem dobrei
Aos seus idólatras o joelho do sim. -
Meu rosto não abriu risos ao rei
Nem repetiu ecos; a turba, eu sei,
Não me inclui entre os seus. Vivi ao lado
Deles, porém sem ser da sua grei;
E à mortalha da sua mente atado
Estaria se não me houvesse precatado.

Por George Byron.
Tradução Augusto de Campos, em 'Byron e Keats: Entreversos.'

quinta-feira, 12 de julho de 2012

A Prisão Dourada

Tenta fazer esta experiência, construindo um palácio. Equipa-o com mármore, quadros, ouro, pássaros do paraíso, jardins suspensos, todo o tipo de coisas... e entra lá para dentro. Bem, pode ser que nunca mais desejasses sair daí. Talvez, de facto, nunca mais saisses de lá. Está lá tudo! "Estou muito bem aqui sozinho!". Mas, de repente - uma ninharia! O teu castelo é rodeado por muros, e é-te dito: 'Tudo isto é teu! Desfruta-o! Apenas não podes sair daqui!". Então, acredita-me, nesse mesmo instante quererás deixar esse teu paraíso e pular por cima do muro. Mais! Todo esse luxo, toda essa plenitude, aumentará o teu sofrimento. Sentir-te-ás insultado como resultado de todo esse luxo... Sim, apenas uma coisa te falta... um pouco de liberdade.

Por Fiódor Dostoievski, em "Os efeitos da Libertação"

terça-feira, 3 de julho de 2012

Dos adeuses...

Meus adeuses, deio-os todos. Mil partidas
me formaram desde a infância, devagar.
Mas volto outra vez e recomeço a lida:
a volta franca liberta meu olhar.

O que me resta é cuidar de o expandir,
e minha alegria sempre contumaz:
a de ter amado coisas quase iguais
a essas ausências que fazem agir.

Por Rainer Maria Rilke, em 'Poemas'
Tradução e Introdução de José Paulo Paes (!!!)
Companhia das Letras