terça-feira, 23 de outubro de 2012
Eu nem sempre quero ser feliz*
Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...
Por Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, em 'O Eu profundo e os outros Eus', Editora Nova Fronteira.
* Este não é o título do poema.
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...
Por Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, em 'O Eu profundo e os outros Eus', Editora Nova Fronteira.
* Este não é o título do poema.
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
O amor acaba?
Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
Por Paulo Leminski
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
Por Paulo Leminski
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
Chiquinha Gonzaga, sim, senhor!
Para mim, 'Chiquinha Gonzaga' é,
sem dúvida, a melhor minissérie brasileira de todos os tempos. A trama,
inspirada numa obra biográfica, vai muito além de um drama romântico e
familiar: contextualiza no universo histórico e social brasileiro, a trajetória
de uma mulher que idealizava a criação de um ritmo que misturaria a música
negra com a europeia. ‘A polca com
batuque de lundu e o lundu com marcação de polca’, segundo suas palavras.
A sociedade do século XIX é
retratada com maestria pela obra televisiva, à medida em que são abordados temas
como a efervescência abolicionista dos intelectuais e artistas, a aristocracia
militar, a Guerra do Paraguai, a abolição da escravatura, a queda da monarquia,
a instauração da república etc.
Chiquinha nasceu em 1847, ano de uma época
quando as mulheres eram obrigadas a viver à sombra e à mercê de seus pais e maridos,
em nome da preservação da família e de uma boa reputação. Trabalhar fora, sair
desacompanhada, escolher o próprio casamento, definitivamente, não eram
prerrogativas concedidas às damas brasileiras .
Logo no início do primeiro
episódio, Francisca, ainda bem jovem, é apresentada à sociedade em um baile de
gala, mas seu pai tem um problema e precisa partir mais cedo. Duque de Caxias
(ainda marquês, na época) coloca então, parte da Guarda Nacional, responsável
por sua segurança pessoal, à disposição de Francisca para escoltá-la na volta
para casa, a fim de que ela pudesse desfrutar da festividade até o seu término.
Chiquinha, durante o regresso, avista uns amigos que estão a caminho de um
terreiro de lundu. Sem hesitar, obriga a Guarda a acompanhá-los ao inusitado
passeio, dança e toma aguardente com os negros até o dia raiar.
Não é necessário qualquer esforço
para imaginar o impacto que causavam as atitudes espontâneas desta filha de militar.
Sua honestidade e dignidade jamais foram usadas como argumentos para lhe redimir.
Os parâmetros sociais simplesmente não admitiriam uma mulher boêmia,
freqüentadora de saraus de música e que resolveu desfazer seu primeiro casamento,
em nome do amor verdadeiro e da liberdade.
Independentemente da época, quem
se aventura a romper a barreira do convencional ou do socialmente aceito, paga
um alto preço. Com nossa heroína, não foi diferente. Foi ‘obrigada’ a se
separar de quase todos os seus filhos, sendo renegada por sua família, ficou
desempregada, passou por privações materiais e sofreu preconceitos de todas as
ordens (era mulher, separada, boêmia, abolicionista, musicista e buscava seu
próprio sustento).Mesmo diante de todas as dificuldades, suas crenças e seus ideais
nunca foram abandonados.
Para quem não agüenta mais a
dramaturgia brasileira destituída de qualquer valor e os personagens da vida
real, cada vez mais ordinários e massificados, a vida de Francisca Ediwiges
Gonzaga é uma empolgante inspiração.
Se Clarice tivesse comentado a
respeito da vida de Chiquinha, certamente, não a classificaria como uma pessoa
best-seller*, mas vou me limitar a supor o fato, em vez de atribuir-lhe falsas
palavras, mais uma vez.
*Pessoa best-seller foi um termo
adotado por Clarice para descrever à sua irmã,
Tânia, as pessoas com quem convivia em Berna, por ocasião da missão diplomática
de seu marido. “Na verdade o que eles são mesmo é best-sellers... as opiniões
deles são best-sellers, as ideias deles são best-sellers.” O trecho completo
faz parte deste blog e está no marcador ‘Clarice Lispector’.
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