segunda-feira, 30 de março de 2009

Conversa de Bandejão

"O amor é quando o botão da vida está ligado".

Dessa vez, não tenho referência bibliográfica precisa. Um amigo letreiro,
Fábio Sanchez, foi quem citou a pérola, atribuindo-a à Clarice... Nossa!.... Vou tentar descobrir em qual obra. Aliás, lispectorianos(as) de plantão convocados(as): alguém sabe?

sexta-feira, 20 de março de 2009

A literatura da libertação

Afinal, digam-me os senhores com suas luzes e sua experiência, onde está a verdade, a completa verdade? Qual a moral a extrair desta história por vezes salafrária e chula? Está a verdade naquilo que sucede todos os dias, nos quotidianos acontecimentos, na mesquinhez e chatice da vida da imensa maioria dos homens ou reside a verdade no sonho que nos é dado sonhar para fugir de nossa triste condição? Como se elevou o homem em sua caminhada pelo mundo: através do dia a dia de miséria e futricas, ou pelo livre sonho sem fronteiras nem limitações? Quem levou Vasco da Gama e Colombo ao convés das caravelas? Quem dirige as mãos dos sábios a mover as alavancas na partida dos esputiniques, criando novas estrelas e uma Lua nova no céu desse subúrbio universo? Onde está a verdade, respondam-me, por favor; na pequena realidade de cada um ou no sonho imenso humano? Quem a conduz pelo mundo a fora, iluminando o caminho do homem? O Meritíssimo Juiz ou o paupérrimo poeta?
Por Jorge Amado, em 'Os velhos marinheiros'.

terça-feira, 17 de março de 2009

cor de Rosa (Fragmentos - 11)

Ele não existe (...) Ao que recebi de volta um adêjo, um gozo de agarro, daí umas tranquilidades - de pancada (...) Aí podia ser mais? A peta eu querer saldar: que isso não é falável. As coisas assim a gente não pega nem abarca. Cabem é no brilho da noite. Aragem do sagrado. Absolutas estrelas!
Por João Guimarães, em 'Grande Sertão: Veredas'.

O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais.

Guimarães de novo, no Sertão... rs

Nosso tempo - Fragmentos

VII

(...) Há soluções, há bálsamos
para cada hora e dor. Há fortes bálsamos,
dores de classe, de sangrenta fúria
e plácido rosto. E há mínimos
bálsamos, recalcadas dores ignóbeis,
lesões que nenhum governo autoriza,
não obstante doem,
melancolias insubornáveis,
ira, reprovação, desgosto
desse chapéu velho, da rua lodosa, do Estado.
Há o pranto no teatro,
no palco ? no público ? nas poltronas ?
há sobretudo o pranto no teatro,
já tarde, já confuso,
ele embacia as luzes, se engolfa no linóleo,
vai minar nos armazéns, nos becos coloniais onde passeiam
..............................[ ratos noturnos,
vai molhar, na roça madura, o milho ondulante,
e secar ao sol, em poça amarga.
E dentro do pranto minha face trocista,
meu olho que ri e despreza,
minha repugnância total por vosso lirismo deteriorado,
que polui a essência mesma dos diamantes.

VIII

O poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas
prometa ajudar
a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta
um verme.

Por Carlos Drummond de Andrade, em 'A Rosa do Povo'

E eu que estou bêbado de toda a injustiça do mundo...

E eu que estou bêbado de toda a injustiça do mundo...
— O dilúvio de Deus e o bebé loirinho boiando morto à tona

.........................................................[de água,
Eu, em cujo coração a angústia dos outros é raiva,
E a vasta humilhação de existir um amor taciturno —
Eu, o lírico que faz frases porque não pode fazer sorte,
Eu, o fantasma do meu desejo redentor, névoa fria —
Eu não sei se devo fazer poemas, escrever palavras, porque

...........................................................[a alma —
A alma inúmera dos outros sofre sempre fora de mim.

.
Meus versos são a minha impotência.
O que não consigo, escrevo-o;
E os ritmos diversos que faço aliviam a minha cobardia.

.
A costureira estúpida violada por sedução,
O marçano rato preso sempre pelo rabo,
O comerciante próspero escravo da sua prosperidade
— Não distingo, não louvo, não (...) —

São todos bichos humanos, estupidamente sofrentes.
.
Ao sentir isto tudo, ao pensar isto tudo, ao raivar isto tudo,
Quebro o meu coração fatidicamente como um espelho,
E toda a injustiça do mundo é um mundo dentro de mim.

.
Meu coração esquife, meu coração (...), meu coração cadafalso —
Todos os crimes se deram e se pagaram dentro de mim.
Lacrimejância inútil, pieguice humana dos nervos,
Bebedeira da servilidade altruísta,
Voz com papelotes chorando no deserto de um quarto andar

................................................... [esquerdo...
.
Por Álvaro de Campos - Fernando Pessoa,
em 'Poesia de Álvaro de Campos'.

quarta-feira, 11 de março de 2009

VALSA PARA GRAÇA

Abra-se tudo
em grande-angular:

alas a ela, abra-se tudo
em salas que se abram

em salas abertas, salões,
e o que se fechara

antes desabroche
numa sucessão de estrelas

em pleno dia claro.
Abra-se o teto

do planetário, abra-se
o coração do fogo

e nele toda dor
torne a nada e

nada lhe resista
e por onde passe alastre

sua leveza. Alas a ela,
e que ela me leve.

Porque nela tudo parece
mover-se sobre salto alto,

sobretudo a alma,
a alma que parece calçar

a mesma sandália
que as palavras e os gestos

dela, alas
a ela, que, assim

alta,
como que vai

descalça e dançasse
sobre-além dos alarmes

e do medo, largando
na sua valsa

um rasto só de beleza.
Alas a ela.

Por Eucanaã Ferraz, em 'Cinemateca'.



A Valsa, de Camille Claudel*, em 1895.
.
*Sobre ela, que foi aprendiz e amante de Rodin,
há um filme homônimo muito bom,
dirigido por Bruno Nuytten. Recomendo...

segunda-feira, 9 de março de 2009

CHAMAR A SI TODO O CÉU COM UM SORRISO

que o meu coração esteja sempre aberto às pequenas
aves que são os segredos da vida
o que quer que cantem é melhor do que conhecer
e se os homens não as ouvem estão velhos
.
que o meu pensamento caminhe pelo faminto
e destemido e sedento e servil
e mesmo que seja domingo que eu me engane
pois sempre que os homens têm razão não são jovens
.
e que eu não faça nada de útil
e te ame muito mais do que verdadeiramente
nunca houve ninguém tão louco que não conseguisse
chamar a si todo o céu com um sorriso
.
Por E. E. Cummings, em "livrodepoemas"
Tradução de Cecília Rego Pinheiro

Borges, sobre os livros

Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, indubitavelmente, o livro. Os outros são extensões do seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da vista; o telefone é o prolongamento da voz; seguem-se o arado e a espada, extensões do seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação. Em 'César e Cleópatra' de Shaw, quando se fala da biblioteca de Alexandria, diz-se que ela é a memória da humanidade. O livro é isso e também algo mais: a imaginação. Pois o que é o nosso passado, senão uma série de sonhos? Que diferença pode haver entre recordar sonhos e recordar o passado? Tal é a função que o livro realiza.
(...) Se lemos um livro antigo, é como se lêssemos todo o tempo que transcorreu até nós, desde o dia em que ele foi escrito. Por isso, convém manter o culto do livro. O livro pode estar cheio de coisas erradas, podemos não estar de acordo com as opiniões do autor, mas mesmo assim conserva alguma coisa de sagrado, algo de divino, não para ser objecto de respeito supersticioso, mas para que o abordemos com o desejo de encontrar felicidade, de encontrar sabedoria.
Por Jorge Luís Borges, em 'Ensaio: O Livro'