terça-feira, 28 de dezembro de 2010
Recomeço
NASCER
Nascer
outra e outra vez
indefinitivamente
como a planta sempre nascendo
da primeira semente;
pensar o dia bom
até criar a claridade
e nela descobrir
a primeira sílaba
da primeira canção
****************************
PROCURO UMA ALEGRIA
Procuro uma alegria
na mala vazia
do fim do ano
e eis que tenho na mão
- a flor do cotidiano -
o vôo de um pássaro
e de uma canção
Por Carlos Drummond de Andrade, em Poesia Errante, Editora Record
Nascer
outra e outra vez
indefinitivamente
como a planta sempre nascendo
da primeira semente;
pensar o dia bom
até criar a claridade
e nela descobrir
a primeira sílaba
da primeira canção
****************************
PROCURO UMA ALEGRIA
Procuro uma alegria
na mala vazia
do fim do ano
e eis que tenho na mão
- a flor do cotidiano -
o vôo de um pássaro
e de uma canção
Por Carlos Drummond de Andrade, em Poesia Errante, Editora Record
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
OLINDA WISCHRAL
.....pessoas deviam poder evaporar
quando quisessem
.....não deixar por aí
lembranças pedaços carcaças
.....gotas de sangue caveiras esqueletos
e esses apertos no coração
.....que não me deixam dormir
Por Paulo Leminski, em 'O ex-estranho', Editora Iluminuras.
quando quisessem
.....não deixar por aí
lembranças pedaços carcaças
.....gotas de sangue caveiras esqueletos
e esses apertos no coração
.....que não me deixam dormir
Por Paulo Leminski, em 'O ex-estranho', Editora Iluminuras.
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
cor de Rosa - 17
Medo tenho é porém por todos (...) O que há é uma certa coisa - uma só, diversa para cada um - que Deus está esperando que esse faça. Neste mundo tem maus e bons - todo grau de pessoa. Mas, então, todos são maus. Mas, mais então, todos não serão bons? Ah, para o prazer e para ser feliz, é que é preciso a gente saber tudo, formar a alma, na consciência; para penar, não se carece: bicho tem dor, e sofre sem saber mais porque. Digo ao senhor: tudo é pacto. Todo caminho da gente é resvaloso. Mas, também, cair não prejudica demais - a gente levanta, a gente sobe, a gente volta! Deus resvala? Mire e veja. Tenho medo? Não. Estou dando batalha (...) O sertão tem medo de tudo. Mas eu hoje em dia acho que Deus é alegria e coragem - que Ele é bondade adiante, quero dizer. O senhor escute o buritizal. E meu coração vem comigo...
Por João Guimarães Rosa, em 'Grande sertão: veredas'.
Por João Guimarães Rosa, em 'Grande sertão: veredas'.
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
DECLARAÇÃO
Quantas vezes lhe declarei o meu amor?
Declarei-o verbalmente inúmeras vezes
e o declaram todos os meus gestos tendentes
a você: a minha língua, a brincar com o som
do seu nome, o declara; e o declaram
os meus olhos felizes quando o veem chegar
feito um presente e de repente elucidar
a casa inteira que, conquanto iluminada,
permanecia opaca sem você; e quando,
tendo apagado todas as lâmpadas, juntos,
no terraço, nos consignamos aos traslados
dos círculos do relógio do céu noturno
ou aos rios de nuvens em que nos miramos
Declarei-o verbalmente inúmeras vezes
e o declaram todos os meus gestos tendentes
a você: a minha língua, a brincar com o som
do seu nome, o declara; e o declaram
os meus olhos felizes quando o veem chegar
feito um presente e de repente elucidar
a casa inteira que, conquanto iluminada,
permanecia opaca sem você; e quando,
tendo apagado todas as lâmpadas, juntos,
no terraço, nos consignamos aos traslados
dos círculos do relógio do céu noturno
ou aos rios de nuvens em que nos miramos
e nos perderemos, declaro-o no escuro.
Por Antonio Cicero, em "A cidade e os livros".
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Santo de casa...
(...) tenho refletido bastante sobre a vontade que o homem sente de ampliar seu horizonte, de fazer novas descobertas e errar mundo afora; e pensei também a respeito da sua tendência a submeter-se docilmente a uma existência limitada, a seguir vivendo nas trilhas do hábito, sem incomodar-se com o que acontece à sua direita ou esquerda.
[...]
Da mesma maneira, o mais irrequieto dos aventureiros acaba por desejar o retorno à pátria, encontrando em sua cabana, no regaço da esposa, entre os filhos e no trabalho para sustentá-los a felicidade que procurou em vão no mundo inteiro.
Por J.W. Goethe, em 'Os sofrimentos do jovem Werther'
Martins Fontes*, 2002
*Recomendo com veemência que os interessados por esta obra procurem por outra edição. O editor desta interfere, além do que poderia, no texto original e merece meu repúdio.
[...]
Da mesma maneira, o mais irrequieto dos aventureiros acaba por desejar o retorno à pátria, encontrando em sua cabana, no regaço da esposa, entre os filhos e no trabalho para sustentá-los a felicidade que procurou em vão no mundo inteiro.
Por J.W. Goethe, em 'Os sofrimentos do jovem Werther'
Martins Fontes*, 2002
*Recomendo com veemência que os interessados por esta obra procurem por outra edição. O editor desta interfere, além do que poderia, no texto original e merece meu repúdio.
sábado, 25 de setembro de 2010
Nostalgia
- Estórias de antigamente é assim que foram há muito tempo?
- Sim, filho.
- Então, antigamente é um tempo, Avó?
- Antigamente é um lugar.
- Um lugar assim longe?
- Um lugar assim dentro.
Por Ondjaki, em 'Avó Dezanove e o segredo do soviético',
Companhia das Letras, 2009.
- Sim, filho.
- Então, antigamente é um tempo, Avó?
- Antigamente é um lugar.
- Um lugar assim longe?
- Um lugar assim dentro.
Por Ondjaki, em 'Avó Dezanove e o segredo do soviético',
Companhia das Letras, 2009.
sábado, 14 de agosto de 2010
MOEDA DO TEMPO
Distraí-me e já tu ali não estavas
vendeste ao tempo a glória do início
e na mão recebeste a moeda fria
com que o tempo pagou a tua entrada.
Por Gastão Cruz, em ' a moeda do tempo e outros poemas'
Imagem por Maurício Takigutthi* (Fonte: http://www.takiguthi.art.br/)
*Houve uma exposição das pinturas deste artista no final do ano passsado, no Conjunto Nacional. Não me lembro de uma obra ter me marcado tanto nos últimos tempos. Vale a pena conferir.
terça-feira, 27 de julho de 2010
Fez bobagem
Meu moreno fez bobagem
Maltratou meu pobre coração
Aproveitou a minha ausência
E botou mulher sambando
[no meu barracão.
Quando penso que outra mulher
Requebrou pro meu moreno ver
Não dá jeito de sambar, dá
[vontade de chorar
E de morrer.
Deixou que ela passeasse na
[favela com meu peignoir
Minha sandália de veludo deu
[a ela pra sapatear
E eu bem longe me acabando,
Trabalhando pra viver
Por causa dele dancei rumba
[e fox-trot
Pra inglês ver
&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&
E fui adormecer feito um despacho,
Deitadinha no capacho
Na porta dos enjeitados.
Cresci, olhando a vida sem malícia...
Por Assis Valente e Ary Barroso
Maltratou meu pobre coração
Aproveitou a minha ausência
E botou mulher sambando
[no meu barracão.
Quando penso que outra mulher
Requebrou pro meu moreno ver
Não dá jeito de sambar, dá
[vontade de chorar
E de morrer.
Deixou que ela passeasse na
[favela com meu peignoir
Minha sandália de veludo deu
[a ela pra sapatear
E eu bem longe me acabando,
Trabalhando pra viver
Por causa dele dancei rumba
[e fox-trot
Pra inglês ver
&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&
E fui adormecer feito um despacho,
Deitadinha no capacho
Na porta dos enjeitados.
Cresci, olhando a vida sem malícia...
Por Assis Valente e Ary Barroso
sábado, 24 de julho de 2010
A delicadeza das camélias

Diálogo entre concierge e ex-morador de um prédio de luxo...
"Sabe, ele diz, "não voltei para ver o apartamento, nem para ver as pessoas daqui. Nem garanto que me reconheceriam (...) Vim porque não consigo me lembrar de uma coisa que me ajudou muito, já quando estava doente e depois, durante a minha cura."
"E posso lhe ser útil?"
"Pode porque foi a senhora que me disse um dia o nome dessas flores. No canteiro, ali (ele aponta com o dedo o fundo do pátio), tem umas lindas florzinhas brancas e vermelhas, foi a senhora que plantou, não foi? E, um dia, lhe perguntei o que eram, mas não fui capaz de guardar o nome. E olha que eu pensava o tempo todo nessas flores, não sei por quê. São muito bonitas, e, quando eu estava mal, eu pensava nas flores e isso me fazia bem. Então passei perto daqui, há pouco, e pensei: vou perguntar à sra. Michel se ela sabe me dizer."
Ele espreita minha reação meio encabulado.
"Isso lhe deve parecer esquisito, não é? Espero que não fique com medo de mim e de minhas histórias de flores."
"Não", digo, " de jeito nenhum. Se eu soubesse o quanto faziam bem... teria posto por toda a parte!"
Ele ri como um menino feliz.
"Ah, sra. Michel, mas, sabe, isso praticamente salvou minha vida. O que já é um milagre! Então, pode me dizer o que é?"
(...)
"Sim", digo, "são camélias".
(...)
"Jean, você não imagina quanto estou feliz com a sua visita hoje", digo.
"Ah, é?", ele diz, espantado. "Mas por quê?"
Por quê?
Porque uma camélia pode mudar o destino.
Por Muriel Barbery, em 'A elegância do ouriço'
"E posso lhe ser útil?"
"Pode porque foi a senhora que me disse um dia o nome dessas flores. No canteiro, ali (ele aponta com o dedo o fundo do pátio), tem umas lindas florzinhas brancas e vermelhas, foi a senhora que plantou, não foi? E, um dia, lhe perguntei o que eram, mas não fui capaz de guardar o nome. E olha que eu pensava o tempo todo nessas flores, não sei por quê. São muito bonitas, e, quando eu estava mal, eu pensava nas flores e isso me fazia bem. Então passei perto daqui, há pouco, e pensei: vou perguntar à sra. Michel se ela sabe me dizer."
Ele espreita minha reação meio encabulado.
"Isso lhe deve parecer esquisito, não é? Espero que não fique com medo de mim e de minhas histórias de flores."
"Não", digo, " de jeito nenhum. Se eu soubesse o quanto faziam bem... teria posto por toda a parte!"
Ele ri como um menino feliz.
"Ah, sra. Michel, mas, sabe, isso praticamente salvou minha vida. O que já é um milagre! Então, pode me dizer o que é?"
(...)
"Sim", digo, "são camélias".
(...)
"Jean, você não imagina quanto estou feliz com a sua visita hoje", digo.
"Ah, é?", ele diz, espantado. "Mas por quê?"
Por quê?
Porque uma camélia pode mudar o destino.
Por Muriel Barbery, em 'A elegância do ouriço'
segunda-feira, 14 de junho de 2010
DESCOMPASSO
Bem entendido, o verdadeiro amor é excepcional, dois ou três em cada século, mais ou menos. No restante do tempo, há a vaidade ou o tédio. (...) Não tenho o coração seco, longe disso, mas, pelo contrário, cheio de ternura, e mais: tenho a lágrima sempre fácil. Só que meus impulsos sentimentais voltam-se sempre para mim e meus enternecimentos dizem respeito a mim. Não é verdade, afinal, que eu nunca tenha amado. Tive em minha vida pelo menos um grande amor, de que fui sempre eu o objeto. Sob esse aspecto, depois dos inevitáveis problemas da juventude, depressa me havia decidido: a sensualidade, e só ela, imperava em minha vida amorosa. Buscava sempre objetos de prazer e de conquista. (...)
Nessas relações, aliás, eu satisfazia ainda outra coisa, além de minha sensualidade: meu amor pelo jogo. (...)
Mudava muitas vezes de papel, mas se tratava sempre da mesma peça.
Nessas relações, aliás, eu satisfazia ainda outra coisa, além de minha sensualidade: meu amor pelo jogo. (...)
Mudava muitas vezes de papel, mas se tratava sempre da mesma peça.
Por Albert Camus, em 'A Queda'
terça-feira, 8 de junho de 2010
Do amoroso esquecimento
Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?
Por Mário Quintana, em 'Espelho Mágico'
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?
Por Mário Quintana, em 'Espelho Mágico'
terça-feira, 4 de maio de 2010
DIALÉTICA
É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...
De Tom para Vinícius
Meu Vinícius de Moraes
Não consigo te esquecer
Quanto mais o tempo passa
Mais me lembro de Você
Cadê o meu poetinha?
Cadê minha letra, cadê?
Eu morro neste piano
De saudade de Você.
Do encarte do belíssimo CD 'Tom canta Vinícius - Ao Vivo' (Biscoito Fino 2009)
Com Paulo Jobim, Tom Jobim, Paula Morelenbaum, Jaques Morelenbaum e Danilo Caymmi.
Não consigo te esquecer
Quanto mais o tempo passa
Mais me lembro de Você
Cadê o meu poetinha?
Cadê minha letra, cadê?
Eu morro neste piano
De saudade de Você.
Do encarte do belíssimo CD 'Tom canta Vinícius - Ao Vivo' (Biscoito Fino 2009)
Com Paulo Jobim, Tom Jobim, Paula Morelenbaum, Jaques Morelenbaum e Danilo Caymmi.
Manoel por Manoel
"...Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores."
Da orelha do livro 'Menino do Mato', de Manoel de Barros
Uma ambição...
Naquele dia eu estava um rio.
O próprio.
Achei em minhas areias uma concha.
A concha trazia clamores do rio.
Mas o que eu queria mesmo era de me
aperfeiçoar quanto um rio.
Queria que os passarinhos do lugar
escolhessem minhas margens para pousar.
E escolhessem minhas árvores para cantar.
Eu queria aprender a harmonia dos gorjeios.
Por Manoel de Barros, em 'Menino do mato', 2ª parte - Caderno de apreniz - nº 33.
O próprio.
Achei em minhas areias uma concha.
A concha trazia clamores do rio.
Mas o que eu queria mesmo era de me
aperfeiçoar quanto um rio.
Queria que os passarinhos do lugar
escolhessem minhas margens para pousar.
E escolhessem minhas árvores para cantar.
Eu queria aprender a harmonia dos gorjeios.
Por Manoel de Barros, em 'Menino do mato', 2ª parte - Caderno de apreniz - nº 33.
terça-feira, 30 de março de 2010
ENTRE O SER E AS COISAS
Onda e amor, onde amor, ando indagando
ao largo vento e à rocha imperativa,
e a tudo me arremesso, nesse quando
amanhece frescor de coisa viva.
Às almas, não, as almas vão pairando,
e, esquecendo a lição que já se esquiva,
tornam amor humor, e vago e brando
o que é de natureza corrosiva.
N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.
E nem os elementos encantados
sabem do amor que os punge e que é, pungindo,
uma fogueira a arder no dia findo.
Por Carlos Drummond de Andrade em 'Claro Enigma'
ao largo vento e à rocha imperativa,
e a tudo me arremesso, nesse quando
amanhece frescor de coisa viva.
Às almas, não, as almas vão pairando,
e, esquecendo a lição que já se esquiva,
tornam amor humor, e vago e brando
o que é de natureza corrosiva.
N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.
E nem os elementos encantados
sabem do amor que os punge e que é, pungindo,
uma fogueira a arder no dia findo.
Por Carlos Drummond de Andrade em 'Claro Enigma'
terça-feira, 23 de março de 2010
PALAVRAS A UM POETA
A luz da tua poesia é triste mas pura.
A solidão é o grande sinal do teu destino.
O pitoresco, as cores vivas, o mistério e o calor dos outros seres te
......[interessam realmente
Mas tu estás apartado de tudo isso, porque vives na companhia
.....[dos teus desaparecidos.
Dos que brincaram e cantaram um dia à luz das fogueiras de
.....[São João.
E hoje estão para sempre dormindo profundamente.
Da poesia feita como quem ama e quem morre
Caminhaste para uma poesia de quem vive e recebe a tristeza
Naturalmente
- Como o céu escuro recebe a companhia das primeiras estrelas.
Por Manuel Bandeira
A solidão é o grande sinal do teu destino.
O pitoresco, as cores vivas, o mistério e o calor dos outros seres te
......[interessam realmente
Mas tu estás apartado de tudo isso, porque vives na companhia
.....[dos teus desaparecidos.
Dos que brincaram e cantaram um dia à luz das fogueiras de
.....[São João.
E hoje estão para sempre dormindo profundamente.
Da poesia feita como quem ama e quem morre
Caminhaste para uma poesia de quem vive e recebe a tristeza
Naturalmente
- Como o céu escuro recebe a companhia das primeiras estrelas.
Por Manuel Bandeira
sexta-feira, 19 de março de 2010
Imagens...
"O tempo é composto de dois dias, um seguro, outro
........................................[ameaçador
e a vida é composta de duas partes, uma pura, outra turva.
Pergunte a quem urdiu as idas e vindas do tempo:
será que o tempo só maltrata a quem tem importância?
Acaso não se vê que a ventania, ao formar as tempestades,
não atinge senão as árvores de altas copas?
De tantas plantas verdes e secas existentes sobre a terra,
somente se apedrejam aquelas que têm frutos;
nos céus existem incontáveis estrelas,
mas em eclipse, só entram o sol e a lua.
Pois é, você pensa bem dos dias quando tudo vai bem,
e não teme as reviravoltas que o destino reserva;
nas noites você passa bem, e com elas se ilude,
mas no sossego da noite é que sucede a torpeza."
Do 'Livro das mil e uma noites',
traduzido do árabe por Mamede Mustafa Jarouche
........................................[ameaçador
e a vida é composta de duas partes, uma pura, outra turva.
Pergunte a quem urdiu as idas e vindas do tempo:
será que o tempo só maltrata a quem tem importância?
Acaso não se vê que a ventania, ao formar as tempestades,
não atinge senão as árvores de altas copas?
De tantas plantas verdes e secas existentes sobre a terra,
somente se apedrejam aquelas que têm frutos;
nos céus existem incontáveis estrelas,
mas em eclipse, só entram o sol e a lua.
Pois é, você pensa bem dos dias quando tudo vai bem,
e não teme as reviravoltas que o destino reserva;
nas noites você passa bem, e com elas se ilude,
mas no sossego da noite é que sucede a torpeza."
Do 'Livro das mil e uma noites',
traduzido do árabe por Mamede Mustafa Jarouche
sexta-feira, 12 de março de 2010
Borra
Esta tarde chove como nunca; e não
tenho ganas de viver, coração.
Esta tarde é doce. Por que não há de ser?
Veste graça e pena; veste de mulher.
Esta tarde em Lima chove. E lembro
as cavernas cruéis de minha ingratidão:
meu bloco de gelo sobre sua amapola,
mais forte que seu “Não sejas assim!”
Minhas violentas flores negras; e a bárbara
e enorme pedrada; e o trecho glacial.
E porá o silêncio de sua dignidade
com óleos ardentes o ponto final.
Por isso esta tarde, como nunca, vou
com este mocho, com este coração.
E outras passam; e vendo-me tão triste,
tomam um pouquinho de ti
na abrupta ruga de minha profunda dor.
Esta tarde chove, chove muito. E não
tenho ganas de viver, coração!
Por César Vallejo em Obra poética. Coordenadação de Américo Ferrari.
tenho ganas de viver, coração.
Esta tarde é doce. Por que não há de ser?
Veste graça e pena; veste de mulher.
Esta tarde em Lima chove. E lembro
as cavernas cruéis de minha ingratidão:
meu bloco de gelo sobre sua amapola,
mais forte que seu “Não sejas assim!”
Minhas violentas flores negras; e a bárbara
e enorme pedrada; e o trecho glacial.
E porá o silêncio de sua dignidade
com óleos ardentes o ponto final.
Por isso esta tarde, como nunca, vou
com este mocho, com este coração.
E outras passam; e vendo-me tão triste,
tomam um pouquinho de ti
na abrupta ruga de minha profunda dor.
Esta tarde chove, chove muito. E não
tenho ganas de viver, coração!
Por César Vallejo em Obra poética. Coordenadação de Américo Ferrari.
quarta-feira, 10 de março de 2010
PERMANÊNCIA
Agora me lembra um, antes me lembrava outro.
Dia virá em que nenhum será lembrado.
Então no mesmo esquecimento se fundirão.
Mais uma vez a carne unida, e as bodas
cumprindo-se em si mesmas, como ontem e sempre.
Pois eterno é o amor que une e separa, e eterno o fim
(já começara, antes de ser), e somos eternos,
frágeis, nebulosos, tartamudos, frustrados: eternos.
E o esquecimento ainda é memória, e lagoas de sono
selam em seu negrume o que amamos e fomos um dia,
ou nunca fomos, e contudo arde em nós
à maneira da chama que dorme nos paus de lenha jogados no
...............................................................[galpão.
Por Carlos Drummond de Andrade, em 'Claro Enigma'.
Dia virá em que nenhum será lembrado.
Então no mesmo esquecimento se fundirão.
Mais uma vez a carne unida, e as bodas
cumprindo-se em si mesmas, como ontem e sempre.
Pois eterno é o amor que une e separa, e eterno o fim
(já começara, antes de ser), e somos eternos,
frágeis, nebulosos, tartamudos, frustrados: eternos.
E o esquecimento ainda é memória, e lagoas de sono
selam em seu negrume o que amamos e fomos um dia,
ou nunca fomos, e contudo arde em nós
à maneira da chama que dorme nos paus de lenha jogados no
...............................................................[galpão.
Por Carlos Drummond de Andrade, em 'Claro Enigma'.
sábado, 6 de fevereiro de 2010
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
Embriague-se
É preciso estar sempre embriagado. Isso é tudo: é a única questão. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que lhe quebra os ombros e o curva para o chão, é preciso embriagar-se sem perdão. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser. Mas embriague-se. E se às vezes, nos degraus de um palácio, na grama verde de um fosso, na solidão triste do seu quarto, você acorda, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, pergunte ao vento, à onda, à estrela, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunte que horas são e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio lhe responderão: "É hora de embriagar-se! Para não ser o escravo mártir do Tempo, embriague-se; embriague-se sem parar! De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser".
Por Charles Baudelaire
Por Charles Baudelaire
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
Inscrição
Eu vi a luz em um país perdido.
A minha alma é lânguida e inerme.
Ó! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...
Por Camilo Pessanha em 'Clepsidra'.
A minha alma é lânguida e inerme.
Ó! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...
Por Camilo Pessanha em 'Clepsidra'.
Assinar:
Postagens (Atom)