sábado, 24 de julho de 2010

A delicadeza das camélias



Diálogo entre concierge e ex-morador de um prédio de luxo...

"Sabe, ele diz, "não voltei para ver o apartamento, nem para ver as pessoas daqui. Nem garanto que me reconheceriam (...) Vim porque não consigo me lembrar de uma coisa que me ajudou muito, já quando estava doente e depois, durante a minha cura."
"E posso lhe ser útil?"
"Pode porque foi a senhora que me disse um dia o nome dessas flores. No canteiro, ali (ele aponta com o dedo o fundo do pátio), tem umas lindas florzinhas brancas e vermelhas, foi a senhora que plantou, não foi? E, um dia, lhe perguntei o que eram, mas não fui capaz de guardar o nome. E olha que eu pensava o tempo todo nessas flores, não sei por quê. São muito bonitas, e, quando eu estava mal, eu pensava nas flores e isso me fazia bem. Então passei perto daqui, há pouco, e pensei: vou perguntar à sra. Michel se ela sabe me dizer."
Ele espreita minha reação meio encabulado.
"Isso lhe deve parecer esquisito, não é? Espero que não fique com medo de mim e de minhas histórias de flores."
"Não", digo, " de jeito nenhum. Se eu soubesse o quanto faziam bem... teria posto por toda a parte!"
Ele ri como um menino feliz.
"Ah, sra. Michel, mas, sabe, isso praticamente salvou minha vida. O que já é um milagre! Então, pode me dizer o que é?"
(...)
"Sim", digo, "são camélias".
(...)
"Jean, você não imagina quanto estou feliz com a sua visita hoje", digo.
"Ah, é?", ele diz, espantado. "Mas por quê?"
Por quê?
Porque uma camélia pode mudar o destino.

Por Muriel Barbery, em 'A elegância do ouriço'

Nenhum comentário: