segunda-feira, 22 de julho de 2013

Essa ferida, meu bem...

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que corre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender...

Trecho de 'O amor bate na aorta', Drummond

domingo, 14 de julho de 2013

Indolente

E tem um limite para a tragédia, um limite de sentimento, mais ou menos como a percepção do frio numa região glacial. Depois de trinta graus abaixo de zero, que sentido tem o termômetro?

Por Cristóvão Tezza, em 'Um erro emocional'.

E quem for cego, veja de repente, todo o azul da vida...

A minha nega me pediu um vestido
Novo e colorido 

Pra comemorar
Eu disse 

'Finja que não está descalça,
Dance alguma valsa
Quero ser seu par'


Por Chico Buarque, em 'Ano Novo'.

sábado, 13 de julho de 2013

Desexistir


Quando eu desisti 
de me matar 
já era tarde. 

Desexistir 
já era um hábito. 

Já disparara 
a auto-bala: 
cobra cega se comendo 
como quem cava 
a própria vala. 

Já me queimara. 

Pontes, estradas, 
memórias, cartas, 
toda saída dinamitada. 

Quando eu desisti 
não tinha volta. 

Passara do ponto, 
já não era mais 
a hora exata. 

Por Frederico Barbosa, em 'Contracorrente'.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Não há guarda-chuva


Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.


Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.

Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.

Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.

Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.

Por João Cabral de Melo Neto
Foto: Thai, em Paraty. Praça da Matriz. Flip 2013.

Ela desatinou

Quem não inveja a infeliz, feliz
No seu mundo de cetim, assim,
Debochando da dor, do pecado
Do tempo perdido, do jogo acabado...


Por Chico Buarque