terça-feira, 1 de novembro de 2011

Vem

Porque os dias quebravam contra sua cara,

porque trocara as horas por nada,
quis o espinho extremo.

Mas, sobre encontrá-lo, ninguém

nem nada respondia. Saberia reconhecê-lo

em meio a tudo? Algum sinal?


Um cisne gravado na testa? Talvez

bastasse, à distância, atentar

nos modos de dobrar

ou desfazer as frases,

[...]

o que fosse
aquilo que faria do acaso


o certo,

até que se manifestasse numa forma

inadiável, que figuraria o fruto de

uma longa matemática. Porque seria assim,

poderia ver na matéria mínima a sua fábrica,

o incêndio


que sobreviria contra a indiferença dos seus dias.

[...]

Mesmo sem vestígios, farejava.
[...]

à boca enchendo-o de inocência e desejo.

Era mais seguro não querer. Mas


envenenara-se com o anseio de que

a cidade desaguasse em alguém, não fosse tão-só

pedras de seus olhos se ferirem. Mais seguro


era cegar as vontades. Cerrados, os olhos

calariam o teatro excessivo dos gestos. Talvez

dormisse. Mas a insônia vinha branca

e ácida e alta. Houve uma vez um comandante

prussiano, recostado ao fundo da poltrona,

[...]

lembrava-se, era mais fácil
deixar a solidão crescer no vento, vir ao quadril,

lembrava-se do conto enquanto seus olhos


erravam pelas avenidas, esperança em pêlo, juízo

em vão, fome de um relance, um fio. Suave,

se ainda soubesse, era beber sem supor alguém


após o drinque, gastar-se só, sem presumir

um abraço à saída do cinema, à saída de
sábado. Mas ele sacrificaria qualquer ponderação

para persistir no engano de seguir

à própria sorte por mundos que semelhavam

estacionamentos abarrotados de frases moles,


blogs, celulares, fazer amigos, impressionar pessoas,

dicionários como se fósforos para queimar o tempo,

o tédio, saudades de quando não vagava devastado


pela espera (pela espora, dizia o conto)

de uma lâmpada após o labirinto,

por aquela presença tão-só pressentida,


mas que talvez por adivinhada ardia ainda mais.

Tudo (um exagero) escarnecia dele, sequioso de que

regressasse quem nem mesmo houvera

[..]

Canções de amor
foram o seu veneno,


todas à roda da mesma víscera,

da mesma válvula sentimental,

podia senti-la,


sem amores nem romances, sangue

e bomba apenas, como no peito de um bicho,

que é só um bicho. Então, exausto,


sem nenhum grito, deitou-se
sobre a pedra escura da rua, ou da escarpa

mais alta, ou da lua mais miserável e suja.


Esteve ali, parado, manso,

talvez por anos, sem que nada pedisse

ou pretendesse. E era só uma noite


entre as noites, quando despertou agitado

(deve ter sido assim) pela visão de uns lábios,

vinham acesos, na direção dos seus.

Por Eucanaã Ferraz

Do site: http://eucanaaferraz.com.br/sec_poema_mostra.php?poema=83

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