Isto não quer dizer que devamos deixar de estabelecer os fatos e verificar nossas informações, mas apenas sugerir que, a menos que possam ser imbuídos da clareza da percepção poética, estes fatos permanecerão como jóias opacas; pedras semipreciosas que mal valem o trabalho de se coletar.
[...]
Alguma faceta da experiência tocou uma corda em mim, forjou uma conexão entre meu adulto insensível e combalido com a criança que se deitava sob a débil luz das estrelas enquanto os grandes caçadores da noite encenavam dramas cheios de fome e morte no ar opaco sobre mim.
Um ímpeto de vivenciar, em vez de simplesmente registrar, acendeu-se novamente em minha pessoa, dando início aos processos mentais e à auto-avaliação que levou a este artigo.
Como ressaltei antes, longe de mim sugerir que eu imediatamente tenha abandonado todo empenho acadêmico e pesquisa próprios do campo a fim de fugir e levar uma existência primordial e nua nas florestas. Pelo contrário: eu me lancei nos estudos de meu assunto preferido com fervor renovado, capaz de ver os fatos áridos e as descrições desapaixonadas sob a mesma luz transformadora que os havia favorecido na minha juventude. Uma compreensão científica dos movimentos belamente articulados e sincronizados de cada pena da coruja durante o voo, não impede uma apreciação poética do mesmo fenômeno. Na verdade, ambos se intesificam mutuamente, um olhar mais lírico empresta aos dados gélidos uma paixão da qual eles, havia muito, tinham se divorciado.
Por Alan Moore, em 'Watchmen'*
* Essa postagem é um dos muitos frutos colhidos por mim graças à contribuição de Fábio Rodrigues, de seu vastíssimo repertório, e à sua constante presença em meus dias. A ele, agradeço por esse trecho e por incontáveis outras coisas que aprendo a enxergar pela precisão de seu olhar.
Um comentário:
O Artigo é bom, ótimo! Mas a nota dedico-explicatória é lindíssima!
:)
Será que alguém já estudou dicatórias??...rsrsrs
Beijos.
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