terça-feira, 30 de setembro de 2008
cor de Rosa (Fragmentos - 7)
Todos estão loucos, neste mundo? Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores e diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total. Todos os sucedidos acontecendo, o sentir forte da gente - o que produz os ventos. Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
João Guimarães - Grande Sertão: Veredas
sexta-feira, 19 de setembro de 2008
Quase
O Beijo - Gustav Klimt
Por uma estranha alquimia
(você e outros elementos)
quase fui feliz um dia.
Não tinha nem fundamento.
Havia só a magia
dos seus aparecimentos
e a música que eu ouvia
e um perfume no vento.
Quase fui feliz um dia.
Lembrar é quase promessa,
é quase quase alegria.
Quase fui feliz à beça
mas você só me dizia:
“Meu amor, vem cá, sai dessa”.
Por Antonio Cícero, em Guardar
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
Rapaz
Não sei como é possível falar desse
rapaz pelo interior
de cuja pele o sol surge antes de o fazer no céu.
Por Luís Miguel Nava
rapaz pelo interior
de cuja pele o sol surge antes de o fazer no céu.
Por Luís Miguel Nava
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
Prisão da Palavra
Olho redondo entre as barras.
Pálbebra de animal cintilante
rema para cima,
libera um olhar.
Íris, nadadora, sem sonhos e triste:
o céu, cinza-coração, deve estar próximo.
Inclinada, no bico de ferro,
a limalha fumegante.
No sentido da luz
adivinhas a alma.
(Se eu fosse como tu. Se fosses como eu.
Não estaríamos
sob um mesmo alísio?
Somos estranhos.)
Os ladrilhos. Por cima,
uma junto à outra, as duas
poças cinza-coração:
dois
bocados de silêncio.
Paul Celan
Por Cláudia Cavalcanti, em 'Cristal'.
Pálbebra de animal cintilante
rema para cima,
libera um olhar.
Íris, nadadora, sem sonhos e triste:
o céu, cinza-coração, deve estar próximo.
Inclinada, no bico de ferro,
a limalha fumegante.
No sentido da luz
adivinhas a alma.
(Se eu fosse como tu. Se fosses como eu.
Não estaríamos
sob um mesmo alísio?
Somos estranhos.)
Os ladrilhos. Por cima,
uma junto à outra, as duas
poças cinza-coração:
dois
bocados de silêncio.
Paul Celan
Por Cláudia Cavalcanti, em 'Cristal'.
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
...porque promessa é dívida!
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Por Vinícius de Moraes - Ausência
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Por Vinícius de Moraes - Ausência
sábado, 13 de setembro de 2008
Canção
No desequilíbrio dos mares,
as proas giram sozinhas...
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.
Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto
Quando as ondas te carregaram
meu olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.
Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.
E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.
Por Cecília Meireles
as proas giram sozinhas...
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.
Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto
Quando as ondas te carregaram
meu olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.
Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.
E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.
Por Cecília Meireles
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Aristóteles, sobre a amizade * Ética a Nicômaco - Fragmentos 2
A amizade perfeita é aquela que existe entre homens que são bons e semelhantes na virtude, pois tais pessoas desejam o bem um ao outro de modo idêntico, e são bons em si mesmos. Dessa forma, aqueles que desejam o bem aos seus amigos por eles mesmos são amigos no sentido mais próprio, porque o fazem em razão da sua própria natureza e não por acidente. Por essa razão, sua amizade durará, enquanto essas pessoas forem boas, e a bondade é uma coisa muito duradoura. E cada uma dessas pessoas é boa em si mesma e para o seu amigo, pois os bons são bons em absoluto e reciprocamente úteis.
[...]
Mas é natural que tais amizades sejam raras, pois homens assim também são raros. Além disso, uma amizade dessa espécie exige tempo e intimidade. Como diz o provérbio, as pessoas não podem conhecer-se mutuamente enquanto não tiverem “consumido muito sal juntas”; e tampouco podem se aceitar como amigos enquanto cada um não parecer digno da amizade ao outro, e este não lhe houver conquistado a amizade.
[...]
[...]
Mas é natural que tais amizades sejam raras, pois homens assim também são raros. Além disso, uma amizade dessa espécie exige tempo e intimidade. Como diz o provérbio, as pessoas não podem conhecer-se mutuamente enquanto não tiverem “consumido muito sal juntas”; e tampouco podem se aceitar como amigos enquanto cada um não parecer digno da amizade ao outro, e este não lhe houver conquistado a amizade.
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Apenas a amizade entre os bons, e só ela, é invulnerável à calúnia, pois não damos ouvidos facilmente ao que qualquer um diga a respeito de alguém que durante muito tempo foi posto à prova; e é entre os bons que encontramos a confiança do sentimento expresso pelas palavras “ele nunca me seria desleal”, e tudo o mais que se espera de uma verdadeira amizade.
Aristóteles
Por Pietro Nassetti
Por Pietro Nassetti
sexta-feira, 5 de setembro de 2008
Gilles Lipovetsky, em palestra
"É necessário que a gente invente uma pedagogia das paixões - oferecer alvos às pessoas, objetivos capazes de mobilizar suas paixões em outro lugar que não seja o universo das marcas e do consumo. Outros desejos, outros centros de interesse - esportes, música, dança, arte, um empreendimento, outras paixões".
*
"Temos que inventar novos modelos de educação e de trabalho, que permitam às pessoas encontrar um modelo pessoal, que não seja regido pelo consenso em paradoxos de consumo".
*
"Exemplo de paradoxo: Os corpos são livres, mas a miséria sexual se mantém".
*
"A sociedade hipermoderna não deve ser destituída; ao menos ela tem uma virtude: legitimou aquilo que as tradições milenares se esforçam para mostrar".
*
*
Gilles Lipovetsky é filósofo francês e professor. Possui atualmente, cerca de 63 anos e diversos livros publicados. Dentre eles, 'Sociedade da Decepção', 'Era do vazio: ensaios sobre o idividualismo contemporâneo', 'Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas'.
*
Sociedade da Decepção
O livro trata de uma sociedade que vive de excessos, que tem mania de consumo e que ao mesmo tempo desperdiça tudo que é possível. Gilles Lipovetsky, criador do conceito de hipermodernidade para definir os tempos de hoje, explica porque a sociedade vive um momento tão triste, com elevados índices de suicídios, de depressão e de dependências diversas. Segundo ele, o enfraquecimento da religião é um dos principais fatores da decepção atual. Sem fé as pessoas não têm referenciais e ao primeiro choque, caem num abismo de desamparo e frustrações, explica o autor. Essa era do consumismo modificou muito mais a vida da humanidade do que todas as correntes filosóficas do século XX reunidas, tanto para o bem quanto para o mal. Nunca fomos tão livres social e politicamente, e tão submissos (ao consumismo, por exemplo), analisa Lipovetsky.
Resenha obtida de http://www.planetanews.com/autor/GILLES%20LIPOVETSKY
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
Olhos de ressaca
Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que me arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios.
Por Machado, em Dom Casmurro
terça-feira, 2 de setembro de 2008
cor de Rosa (Fragmentos - 6)
Diz-que-direi ao senhor o que nem tanto é sabido: sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando; mas, quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois.
Por João Guimarães - Grande Sertão: Veredas
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
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