segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Valéry, sobre o prejuízo da modernidade

O tempo livre que tenho em mente não é o lazer tal como normalmente entendido. O lazer aparente ainda permanece conosco, e, de fato, está protegido e propagado por medidas legais e pelo progresso mecânico. As jornadas de trabalho são medidas, e a sua duração em horas, regulada por lei. O que eu digo, porém, é que o nosso ócio interno, algo muito distinto do lazer cronometrado, está desaparecendo. Estamos perdendo aquela paz essencial nas profundezas do nosso ser, aquela ausência sem preço na qual os elementos mais delicados da vida se renovam e se confortam, ao passo que o ser interior é de algum modo liberado de passado e futuro, de um estado de alerta presente, de obrigações pendentes e expectativas à espreita. Nenhuma preocupação, nenhum amanhã, nenhuma pressão interna, mas uma forma de repouso na ausência, uma vacuidade benéfica que traz a mente de volta à sua verdadeira liberdade, ocupada apenas consigo mesma. Livre de suas obrigações para com o saber prático e desonerada de qualquer preocupação sobre o porvir, ela cria formas tão puras como o cristal. Mas as demandas, a tensão, a pressa da existência moderna perturbam e destroem esse precioso repouso. Olhe para dentro e ao redor de si! O progresso da insônia é notável e anda pari passu com todas as outras modalidades de progresso.
Paul Valéry, em 1935
Por Eduardo Giannetti

5 comentários:

Marcelo Glauco disse...

Interessante a atualidade deste texto, mesmo tendo ele 73 anos. Setenta e três anos é um tempo maior do que a expectativa de vida média na maior parte dos países do mundo, inclusive no nosso. Penso que este texto poderia ter não 73 anos, mas 100, 200 ou 1000 anos sendo atual em sua época, atual no presente e sempre pois a questão envolvida na leitura que fiz não é a cronologia da História e sim a cronologia humana. O ócio interno é, para afortunados como nós, característico das épocas em nossas vidas onde tudo são sonhos, onde um futuro feliz e realizável é certo, onde acreditamos que tudo dará certo. Nascemos e vivemos nossa infância sem saber o significado de futuro. Nesta fase, o ócio interno é total. Adolescemos procurando quem somos, ainda com o ócio. Saimos da adolescência e só então começamos a entender que existe um futuro com o qual temos que nos preocupar e que nunca mais nada será tão fácil como foi até então. Somos e sempre fomos engolidos pela modernidade, que é atemporal graças a nossa finitude. Aquela "paz essencial nas profundezas de nosso ser" troca sempre de lugar com as preocupações pela sobrevivência e com as frustrações decorrentes do não realizado. Acredito que esta seja nossa essência e a sustentação da atualidade eterna do texto. O moderno sempre foi moderno para quem o viveu. O saudosismo da época de nossas vidas onde não havia "qualquer preocupação sobre o porvir" nos fará ler e sempre concordar com textos como este que tem sua genialidade na atemporalidade e psiquê humana.

Como escreveu Caetano Veloso, "chega de saudade. A realidade é que aprendemos com João pra sempre a ser desafinados".

Bjs e parabéns pelo Blog

Thai disse...

Marcelo,

Obrigada pela visita e pelo comentário.

Acredito que as questões que tomam tempo vão, infelizmente, muito além de nossas preoucupações com a sobrevivência.

Uma vez, assisti a um vídeo que dizia o seguinte:

"Veja, estamos dispostos a passar 15 anos de nossas vidas estudando. Depois, passamos vários anos estudando uma profissão. Passamos muito tempo correndo, fazendo ginástica [...]. Tudo isso para ficarmos saudáveis. Depois, passamos mais um tempo enorme cuidando da nossa aparência [...]. Então, por que não passamos alguns minutos, todo dia, vendo como nossa mente funciona? O que, no final das contas é o que determina a qualidade de nossas vidas? Isso é realmente intrigante [...] Acho que existe uma leve hesitação, pois olhar para nossa mente parece estranho. Conheci um homem que disse 'Não quero olhar para dentro de mim, pois tenho medo do que vou encontrar'..."
Nossa verdadeira essência, na minha opinião, vai muito além das preocupções dos nossos dias. Temos de alcançá-la. Não somos nossa agenda e nossos compromissos. Se ficarmos reduzidos a isso, adoeceremos e nos tornaremos depressivos.

Acho que o texto trata muito disso, "uma vacuidade benéfica que traz a mente de volta à sua verdadeira liberdade, ocupada apenas consigo mesma" .

Não dá pra fazer isso durante uma hora, todos os dias, mas uns 15 minutos já fazem uma diferença enorme.

Se quiser ver o vídeo na íntegra, vai a dica:
http://br.youtube.com/watch?v=M810_qLCSVc

Tb tem a segunda parte. Acho o máximo.

Obrigada mais uma vez e parabéns, também, pelo seu texto.

Beijos!

Norival Leme Jr disse...

Não é um bloooooogggg ainda....rsrs
É só um arquivinho digital.

Mas o seeeeeuuu...esse sim é um Blog!!...:)

Vejo com mais calma depois.

Sobre ficar rico, quem ficar primeiro avisa a sorte ao outro...kkk

Beijos!
Nori

Fábio Rodrigues disse...

Como ainda temos contas à pagar, uma proposta interessante de união de ócio e trabalho (ao meu ver ainda longe de ser posta em prática) pode ser encontrada em O Ócio Criativo, do sociólogo italiano Domenico de Masi.
Thai, parabéns pelo blog.

Thai disse...

Querido Fabito,
Tempos atrás, assisti a uma entrevista com ele no Roda Viva. Achei as propostas viáveis e sensatíssimas, mas concordo com você, não serão postas em prática tão cedo, embora algumas empresas já estejam se arriscando. De qualquer maneira, isso é tema para o próximo boteco (ou não! rs). Aliás, parece que no último, alguém solicitou um tema para uma postagem no meu blogue. 'Senhorinha', Guinga, lembram alguma coisa, inadimplente?! Demorou pra eu cobrar, hein?!
Obrigada pelo comentário e pela visita.
Beijos