sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Coisas que são - 4

Todos têm terror do silêncio e da solidão e vivem a bombardear-se de telefonemas, mensagens escritas, mails e contactos do Facebook e nas redes sociais da Net, onde se oferecem como amigos a quem nunca viram na vida. Em vez do silêncio, falam sem cessar; em vez de se encontrarem, contactam-se, para não perder tempo; em vez de descobrirem-se, expõem-se logo por inteiro: fotografias deles e dos filhos, das férias na neve e das festas de amigos em casa, a biografia de suas vidas, com amores antigos e actuais. E todos são bonitos, jovens, divertidos, "leves", disponíveis, sensíveis e interessantes. E por isso é que vivem nessa estranha vida: porque muito embora julguem poder ter o mundo aos pés, não aguentam um dia de solidão. Eis porque já não há ninguém para atravessar o deserto. Ninguém é capaz de enfrentar toda aquela solidão.

*
A maior parte do tempo, porém, o que nós compartilhávamos era o silêncio. E isso aprendi contigo porque não sabia. Para mim, o silêncio era sinal de distância, de mal-estar, de desentendimento. Ao princípio, quando ficávamos calados por muito tempo, eu sentia-me inquieta, desconfortável e começava a falar só para afastar esse anjo mau que estava a passear entre nós.
Um dia, tu disseste-me:
- Cláudia, não precisas de falar só porque vamos calados. A coisa mais difícil e mais bonita de partilhar entre duas pessoas é o silêncio.

Por Miguel Sousa Tavares, em 'No teu deserto'


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